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Liberdade de expressão

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Estamos assistindo, perplexos, carreatas em Brasília de grupos organizados, com faixas e cartazes, pedindo intervenção militar, volta do AI5, fechamento do Congresso, extinção do STF e por aí vai. Essas manifestações são estimuladas e têm a participação direta do próprio presidente da República. Mais grave ainda, Bolsonaro desrespeita orientações do seu próprio Ministério da Saúde e provoca aglomerações em plena pandemia da Covid-19, que já matou milhares de pessoas no país. É "liberdade de expressão", defende-se o presidente.

Não entende ele que a liberdade de expressão só existe num regime democrático. Daí que defender a volta da ditadura nada tem a ver com o livre direito de manifestação do indivíduo. Trata-se, isso sim, de atentar contra os valores da República, ato considerado crime segundo a nossa Constituição. Bolsonaro, portanto, utiliza-se de um conceito distorcido para defender criminosos que se escondem atrás das cores da nossa bandeira.

Deve-se entender por "liberdade de expressão" a defesa do direito dos outros de expor ideias com as quais não concordamos. Embora eu não concorde ou não goste do que você está dizendo, defendo o seu direito de dizê-lo, pois nisso consiste a verdadeira liberdade. É, portanto, um conceito indissociável da democracia.

O paradoxo da manifestação de Bolsonaro é que ele não tem o mínimo respeito à liberdade de expressão: diariamente, no "cercadinho" do Palácio do Planalto, quando contrariado com a pergunta de algum jornalista, manda logo "calar a boca" ou então simplesmente vira às costas e encerra a entrevista. O seu governo assemelha-se ao de um déspota não esclarecido. No ápice da pandemia da Covid-19, demitiu dois ministros da Saúde, ambos médicos, simplesmente porque eles não são irresponsáveis, como ele, para defender o fim do distanciamento social ou a aplicação de um remédio (cloroquina) que não tem eficácia comprovada e provoca efeitos colaterais graves nos pacientes.

Nunca os conceitos morais do país estiveram tão abalados quanto neste governo. Mentiras deslavadas, desculpas esfarrapadas, ameaças, palavrões, perseguições, despreparo, intrigas, enfim, parece que estamos diante da corte do próprio Luís XIV, o rei Sol. A falta de transparência sobrecarrega o Judiciário, como mostram dois exemplos recentes: a recusa de entregar os laudos dos exames da Covid-19 do presidente e a não divulgação do vídeo da reunião ministerial, estopim para o pedido de demissão do então ministro Sérgio Moro.

Mas não pode haver surpresa. Nisso, Bolsonaro não mudou: sempre foi um provocador e criador de casos. Em 1987, foi acusado de indisciplina e de um plano de explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio. Chegou a ser preso por 15 dias. Depois de ser considerado culpado por tribunais militares em primeira instância, foi absolvido após recurso e passou para a reserva. Sua carreira de 28 anos como deputado federal foi marcada por atritos, episódios de machismo, homofobia e defesa da tortura.

A pergunta que fica é como, com um histórico desses, Bolsonaro foi eleito? A resposta, talvez, possa vir do aperfeiçoamento da democracia liberal. Hoje, a velocidade das transformações tecnológicas ultrapassa a dos processos políticos. O compartilhamento de informações na internet está levando à negação da máxima de Sócrates "conhece-te a ti mesmo". Uma pesquisa mostrou que o Facebook é melhor do que amigos, pais e cônjuges para conhecer o verdadeiro "eu" das pessoas.

Com base nas informações disponíveis na rede, é possível saber as opiniões políticas de milhões de pessoas e, a partir daí, determinar o que cada candidato precisa fazer para a balança pender para o seu lado. Não precisa nem fazer campanha. Basta contratar um robô para disparar mensagens falsas. Quem pode garantir que votou no candidato por vontade própria ou foi induzido a isso? Essa é a principal ameaça para a democracia no século XXI.

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